top of page

O FASCÍNIO DA DANÇA

Um é movido pelo instigante estilo contemporâneo. Outro pelo encantador estilo clássico. Estes dois grandes nomes da dança nacional que você vê nas imagens têm muito em comum, além do notável e admirável talento. Pra começar, ambos têm 36 anos de idade e, aos 14, deram o primeiro passo em direção à dança profissional. No início de suas carreiras, enfrentaram o preconceito por serem homens entrando num território predominantemente feminino. E, fundamentalmente, a paixão pela dança é incondicional e intocável em Cícero Gomes, fluminense de Macaé, professor e primeiro bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (portanto, bailarino internacional) e em Matheus Brusa, gaúcho de Caxias do Sul, professor e coreógrafo premiadíssimo (precursor da dança contemporânea infantil no Brasil). Eles também têm o entendimento do quanto se envolver com arte transforma a vida de crianças e adolescentes, fazendo com que eles tenham uma formação pessoal e educacional que complementa o ensino regular.


“A arte é uma via de educação. No ballet clássico, além da disciplina e da responsabilidade que a gente acaba levando para tudo na vida, carregamos o componente físico e emocional. Artistas têm uma sensibilidade maior, são mais altruístas. Se você entra em cena, tem de ter o mínimo respeito pela plateia que, ao assistir você, está pagando seu salário. Não importa se está sentindo dor, você tem de fazer a melhor coisa do mundo que é encantar alguém. Para isso, precisa trabalhar muito, se dedicar, ter domínio cênico. A dança é uma expressão artística completa, é viva, acende o afeto e o carinho no público”, verbaliza o elegante Cícero, que sentiu brotar o amor pela dança na infância. Aos 14 anos, ele foi para a Áustria estudar na Escola de Ballet da Ópera de Viena e, há 25, é bailarino, atualmente da maior companhia clássica do Brasil e uma das maiores da América do Sul.


Fotos: Micael Oliveira e Isadora Lima
Fotos: Micael Oliveira e Isadora Lima

“O que levamos para nós é mais importante do que o quê fazemos no palco. Somos efêmeros. Não somos o fim, e sim, o meio. Se o clássico foi feito pensando em encantar, o contemporâneo veio para instigar. A sociedade vive buscando zonas de conforto para se sentir psicologicamente segura, e o contemporâneo é o contrário disso. Ele questiona os padrões, o comportamento sócio-político-cultural, a beleza, a continuidade das coisas, a musicalidade. É a desconstrução do que você quiser. Para o bailarino, é bem importante ter essas informações porque os opostos se valorizam e se complementam, mas é necessário estudar, ter maturidade e consciência corporal para entender isso”, analisa o inquieto Matheus, que convive com a dança desde pequeno. Ele começou no teatro aos 14 anos, depois integrou a Cia. Municipal de Dança de Caxias do Sul, ao mesmo tempo em que já ensaiava sua habilidade em lidar com sonoplastia, iluminação e cenografia na escola de dança da mãe, Margô Dalla Rosa Brusa, uma das pioneiras no ensino do ballet clássico na cidade.


Sonho realizado no Municipal do Rio


Cícero entrou para o Ballet do Theatro Municipal do Rio no final de 2007. Em 2010, foi nomeado primeiro bailarino. Sustentar um espetáculo artístico que envolve mais de 100 pessoas e reter a atenção do público (que no caso desse teatro chega a 2250 pessoas) não é tarefa fácil. Nas palavras dele, “é você atuando e comandando uma narrativa inteira, um corpo de baile, tendo de prestar atenção no seu par, que é a bailarina, pois a beleza dela depende da sua, é uma vida que você tem, literalmente, nos seus braços, nas suas mãos”. Ele confessa que, até hoje, sente a mesma emoção de quando dançou pela primeira vez no palco do municipal. “Muitas vezes choro nos momentos que antecedem à entrada em cena, quando a orquestra começa a tocar, prestes a abrir a cortina”, afirma. O tom de voz, o refinamento, o brilho no olhar ao falar de dança, a postura e a limpeza dos passos e movimentos de seu corpo são traços marcantes e visíveis em Cícero, associados à cultura adquirida por ter passado temporadas dançando em diversos países da América do Sul e do Norte e Europa.



“Nunca tive muito isso de querer ser bailarino internacional. Sou? Sou. Danço fora. Mantenho contato com vários bailarinos internacionais. Em 2003, fiquei um mês na Inglaterra. Lembro de olhar para um lado, para outro, e perceber que não era lá que queria ficar. O Brasil já tem muitos bailarinos fora. Quero dançar no meu país, para o meu público. Sempre foi um grande sonho fazer parte do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio. E, hoje, qualquer lugar que me chamarem para dançar, onde quiserem minha presença, eu vou”, enfatiza.


A construção de uma ponte na dança


Assim que deu vida ao contemporâneo infantil, a Cia. Matheus Brusa - que completou 14 anos em 2020 - recebeu uma sequência de premiações na maior vitrine da dança no mundo, o grandioso festival realizado na cidade de Joinville (SC). Foram cinco anos seguidos (de 2014 a 2018) conquistando o primeiro lugar na categoria Contemporâneo Conjunto Infantil. Mas até atingir esse nível de reconhecimento como coreógrafo (que hoje chega a mais de 500 prêmios em diversos eventos de dança do país, incluindo o de Melhor Coreógrafo no Festival de Dança de Joinville), Matheus conta que ficou quatro anos conversando com a curadoria do festival para abrir a categoria, pois existia a discussão de que o contemporâneo não era para criança. “Me considero responsável por ter construído essa ponte no meio da dança. Até hoje, a gente vê gerações de bailarinos que chegam na época do vestibular e param de dançar. Quis preencher essa lacuna, de fazer essa transição e ser uma companhia profissionalizante. E cada vez menos há vínculo com a idade. Tem bailarino adulto que não tem maturidade. Tem bailarino juvenil que tem muita maturidade”, avalia.


Fotos: Micael Oliveira e Isadora Lima
Fotos: Micael Oliveira e Isadora Lima

Do ponto de vista do público, o coreógrafo reflete sobre a necessidade das pessoas em querer entender o contemporâneo, embora ele saiba que, como artista, pela vivência intelectual que adquiriu, não adianta forçar a barra. “Assim a gente não vai formar público, e sim, afastá-lo. Tudo é equilíbrio na vida. Na criação da arte é igual. O conceito sempre rege meu trabalho, então preciso convencer o especialista e atrair o leigo”. No caso do ballet clássico, o público tem uma ideia do que irá se apresentar diante dele. E não é para menos. É a técnica de dança mais antiga que se tem registro e a mais consagrada da história do gênero artístico. Nesse sentido, Matheus observa que nas aldeias ao redor dos castelos franceses onde o clássico se desenvolveu já existia muita dança, mas as pessoas que ali habitavam não tinham o suporte, nem a visibilidade dos nobres. O ballet clássico chegou ao apogeu na época do Rei Luís XIV da França, apesar de ter nascido nas cortes italianas, no início do século 16.


Na vanguarda em termos de pesquisa coreográfica e linguagem, o contemporâneo é sustentado pelos pilares da desconstrução, da emergência, do digital e do hibridismo (dança-teatro). Em meio à tanta informação, a dança se iguala ao cinema em termos de completude. No palco, todas as artes se manifestam: o roteiro, o figurino, a atuação do elenco, a maquiagem, a trilha sonora. “O coreógrafo coloca a narrativa da maneira que ele acha que deve ser conduzida pelos bailarinos, que interpretam uma história dançando. Interessante pontuar que quando a plateia entra no teatro, ela quer sair da vida real. Todos os problemas do país ficam do lado de fora. As pessoas vão a um espetáculo para entrarem no mundo da imaginação”, acrescenta Cícero.


36 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page