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O mundo entre as araras

Por Maria Antônia Nery e Flavia Azolin



Figurino de época marca a novela "Além do Tempo", realizado por Natalia Duran. Foto: TV Globo

O entretenimento com os quais estamos acostumados hoje, como filmes, seriados, novelas, acontecem por meio de grandes produções. Estão envolvidos no trabalho diversas equipes além dos atores, produtores, diretores e roteiristas, e apesar de serem de grande importância, as equipes técnicas não são reconhecidas o suficiente por seu trabalho, e uma delas, são os figurinistas.


Por serem focados na imagem, o trabalho que os figurinistas realizam pode ser motivo de criar uma cena que entrará para a história. Quem não lembra do vestido icônico da princesa Leia utilizado por Carrie Fisher? Como não associar um vestido pink com o clássico de Marilyn Monroe em Diamonds Are a Girl’s Best Friend? Ou o pretinho básico vestido por Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo? É fácil lembrar de diversos personagens, justamente pelas roupas que usam, como uniformes em filmes de super heróis ou o macacão de Donna em Mamma Mia, até os casacos de couro em Matrix.


Os figurinos surgiram há muitos anos, ainda na Grécia antiga com os teatros. De início, sua forma mais rudimentar eram as máscaras utilizadas pelos personagens para representar as emoções, e com o passar do tempo, foram se adaptando a cultura e o momento, passando de figurinos fantasiosos para tirar a atenção da realidade, peças patrióticas subentendidas em filmes durante guerras, até onde estamos hoje. O figurino e figurinista foram ganhando espaço e reconhecimento através do tempo, podendo adquirir influência tão grande por suas obras, que são capazes de marcar a história, como alguns dos exemplos mais icônicos citados acima.


A figurinista Natalia Duran explica que o objetivo é um só: contar a história do personagem por meio de sua roupa. Não se trata de estar na moda, mas sim de ser capaz de transmitir a personalidade daquela figura a sua maneira. E não é um trabalho fácil. Duran comenta, que como o audiovisual possui muitos closes, a roupa é muito bem pensada, assim como os detalhes.

Quando questionada sobre figurinos históricos e o processo de criação, Natalia relata fazer pesquisas em livros, procurando ler obras da época ou, que se passam nela em arquivos históricos, os quais fazem descrições que podem ser mais úteis do que procurar imagens, e na internet. Ela também procura ir a museus para visualizar mais referências, pois “não adianta o tecido e a aparência estarem certos, se o corte que fizermos não é igual ao que faziam na época.”


Já a figurinista da Globo, Gogoia Sampaio, com mais de 30 anos na emissora, conta um pouco dos bastidores da produção e como foi trabalhar em grandes novelas como Cheias de Charme, Belíssima e Saramandaia.


E: Sobre Cheias de Charme, a novela foi um ícone. Como você se sente? Como foi o processo de criação dos figurinos?

G: Foi realmente muito legal a novela. A história, o elenco tudo foi perfeito! No caso do processo da Cheias de Charme eu usei muita referência em bonecas. A Chayenne era totalmente Barbie. E as empreguetes tinham um universo lúdico. Conto de fadas mesmo. Além é claro da vida real, as empregadas ali representadas eram como as nossas da vida real. Muito vaidosas.

E: Sobre Belíssima, como é quando o figurino é parte do enredo de uma forma mais direta? Visto que na novela é o nome da marca de roupas íntimas de uma personagem.

G: Em belíssima participei de todas as etapas. Fui junto com o autor e diretor fazer pesquisa de campo. E na época escolhemos lingerie pois o Brasil tem grandes fábricas. A personagem da Fernanda Montenegro era milionária. Eu AMEI ESSE PROCESSO.

E: Nas novelas em que trabalhou, quais foram as inspirações? Houve uma junção de ideia com os atores que iriam interpretar o personagem?

G: CADA PERSONAGEM TEM UMA INSPIRAÇÃO DIFERENTE. O autor e o diretor passam o conceito pra gente desenvolver depois vem o elenco. Claro que fazemos baseado no corpo de cada um. Por exemplo, se fosse a Claudia Raia a Chayenne ela teria um outro conceito de roupa.

E: Como os atores lidam com o figurino? Eles opinam ou interferem em algo?

G: O ator sempre se sente no personagem quando coloca a roupa então é importante o feedback deles.

E: Você é livre para criar os conceitos ou deve seguir estritamente o autor? Quem aprova?

G: Os conceitos como já disse são passados pelo autor no perfil de personagem da sinopse e o diretor dá a sua visão. Provamos a roupa com o ator. E quando nos sentimos satisfeitos mostrados pro diretor e se ele aprova, segue pro autor.

E: Trabalha com uma equipe? Se sim, quantas pessoas?

G: Uma equipe é tudo!!!! Depende do projeto. Por exemplo numa novela das 21:00 quando estamos full temos por volta de 8 assistentes.

E: Quanto tempo têm para produzir os figurinos desde a criação do conceito até a peça final?

G: Em geral 30 dias para o conceito e 60 dias para provas e início das gravações.

E: O que é mais difícil? Novelas de época/que se passam em outros países e tem diferentes culturas, ou atuais?

G: Tudo é um grande desafio porque não vem com manual de instruções (risos).

E: Como faz a pesquisa para produzir os figurinos?

G: Quando comecei ficávamos esperando as revistas e livros chegarem do exterior. Hoje com a internet, ficou mais tranquila a pesquisa.

E: Vocês são divididos entre personagens ou todos cuidam de todos?

G: Funciona assim: 1 ou 2 figurinistas titulares e equipe de assistentes. Todos fazem tudo.

E: Qual o impacto e a diferença que uma peça pode fazer em uma cena?

G: Pode fazer toda a diferença. Em Passione por exemplo a personagem da Irene Ravache (Clo) teve uma roupa que fez a cena. Tinha muitas penas e se não fosse ela com certeza não teria a mesma graça.

E: Como esse trabalho realizado pode ser notado? Em questões de premiação, existe alguma exigência específica quando submetem o trabalho?

G: Realmente não sei te responder. Deveria ter sim.

E: Qual a atenção recebida no figurino da obra, tanto pelos diretores quanto público e críticos?

G: Nas pesquisas aparece que o figurino é o 3º motivo pra eles verem o projeto. O primeiro são os atores, e o segundo, as histórias.



Figurino de "Cheias de Charme" feito por Gogoia Sampaio. Foto: TV Globo.


Também figurinista da Globo, Débora Kasper adentrou na questão da pesquisa para poder realizar um figurino com caráter mais histórico.


E; Como você realizou a pesquisa para criar os figurinos históricos com os quais trabalhou?

D: As pesquisas se iniciam sempre pela história. Se a trama a ser contada é sobre personagens reais a pesquisa se iniciará pela história deles. Há diversas formas de traçar um panorama dos costumes daquela época a ser estudada, seja através de pinturas e artistas que retratavam seus contemporâneos, seja por fotografias, literatura, biografias e até mesmo através de filmes. Quando o profissional tiver entendido como os cidadãos daquele tempo se comportavam, pensavam e até mesmo se posicionavam politicamente chega o momento de montarmos painéis iconográficos. A pesquisa então, passa a ser também visual e para que possamos entender não só os motivos pelas quais aqueles pessoas se vestem daquela maneira, mas também, como elas se vestem, que cores eles preferem, que tecidos eles tem acesso, como as roupas daquele povo e daquela época são construídas e assim a pesquisa histórica do vestuário de uma época ou uma civilização específica vai se construindo.


E: Como refletir a cultura e o período histórico com o qual você está trabalhando através dos figurinos?

D: Se o trabalho em questão for o retrato de um tempo, essa resposta se dá pela própria pesquisa e realização dos figurinos, afinal, seria impossível retratar a cultura e período estudado sem que isso fosse atrelado ao que a história nos conta. Portanto, o figurino, assim como a moda da época filmada ou encenada, é o reflexo vivo dos pensamentos e ideais de uma sociedade. Caso esse período ou história contada seja ficcional e atemporal o figurino traduzirá através de cores, texturas, cortes....o que o escritor, dramaturgo, diretor e figurinista entenderem por serem signos fortes e que contribuam para a construção daquela história.

E: O que você visa quando produz figurinos pra uma obra? Qual seu objetivo?

D: Contar histórias. Entendo, como criadora, que meu papel em uma equipe de produção de audiovisual é também contar histórias! Através da ferramenta com a qual escolhi me comunicar, me sinto capacitada para dar vida aos personagens que um dia só habitavam o mundo da imaginação.

E: Qual a importância e a diferença que o figurino certo pode ter?

D: Do meu ponto de vista, o único figurino que não pode ter dado certo é aquele que não possibilitou ao personagem à vida e assim, não possibilitou por consequência, ao expectador a experiência da verossimilhança. Pois então a importância de um figurino dar certo ou não, é a capacidade dele existir ou não.

E: Você possui liberdade criativa ou os figurinos são estritamente regrados pelo autor e produtores? Os atores ajudam na construção?

D: Dentro de uma equipe cada profissional tem autoridade sobre sua modalidade. Os cabeças de equipe estão ali para fazer o levantamento histórico, propor conceito, produzir e acompanhar a manutenção da sua entrega. Entretanto existe uma linha artística a ser seguida que é direcionada pela equipe de direção e/ou pelo diretor. E é ela a nossa linha guia para que todos os departamentos se comuniquem com a mesma sensibilidade e afinidade sobre a obra. A liberdade criativa existe, mas sempre será parte de um conjunto e de uma ideia que nasceu da escrita de um autor e da colaboração e conceituação de um diretor.

Assim como, o departamento de luz, o departamento de produção de arte, de direção, de caracterização... contribuem e auxiliam na construção dos figurinos, o elenco é parte fundamental para esta troca. A produção de um conteúdo audiovisual é essencialmente feita em conjunto e seu funcionamento é similar a uma engrenagem.



Por trás do resultado final, existem muitas etapas a serem realizadas como as figurinistas já comentaram. O artista plástico e professor da Universidade de Caxias do Sul, Sergio Lopes, explica sobre a parte técnica da criação de um figurino.


E: Qual é a importância do figurino na sua opinião?

S: A importância do figurino é a de marcar a presença, chamar a atenção, pôr ênfase em determinadas partes do corpo, transmitir com uma imagem clara ou codificada, dar a conhecer de maneira explícita, e preferencialmente, sempre sensível, os personagens.

Um figurino não é apenas uma vestimenta ele possui significados e funções simples ou complexas, comunicações que que devem ser salientadas e reforçadas em uma apresentação artística.


E: Qual a diferença que ele pode fazer em uma cena?

S: O figurino é um signo, assim como a iluminação, cenários e atores e reforçam-se uns aos outros.

Se por acaso um destes signos estiver em desarmonia, fora do contexto há uma quebra e o espectador pode ser sugado da fantasia e volta à realidade e isso faz toda a diferença.


E: Qual a importância de uma coerência histórica na produção dos figurinos?

S: Um figurino descuidado afeta a veracidade e interfere na narração, mesmo que seja um trabalho de ficção, fantástico e impossível.

Um figurino fora de contexto, coesão e vazio de sentido, provavelmente é o resultado de uma má pesquisa histórica ou conceitual ou também de uma provável falta de diálogo entre diretor, cenógrafo e iluminador e isso pode ter um péssimo resultado.


E: Como os pesquisadores podem encontrar boas fontes de informações que forneçam uma base útil para criar os figurinos?

S: Uma excelente pesquisa realizada com atenção, estudo e sabedoria tem capacidade de criar um figurino que fala por si só, que reforça a dramaticidade da cena, aumenta o impacto visual e causa o espanto, a alegria e a emoção no espectador. As principais fontes são a história geral a história da moda e da arte. E evidentemente o conhecimento do repertório de figurinos já executados cria uma bagagem que dão excelentes referências para processos criativos.


E: O que caracteriza um figurino de qualidade?

S: Um figurino de qualidade é aquele que transmite a mensagem do espetáculo. Se o figurino não causar efeito e não atingir o público então ele não vai entender a mensagem. Se o espectador não se emociona, não ri nem chora, não reflete sobre o que está vendo e ouvindo, então podemos concluir que não houve comunicação, sendo assim, a mágica não acontece e um dos responsáveis pode ser o figurino.


No Brasil, o trabalho dos figurinistas no âmbito do audiovisual é categoria em algumas premiações, como por exemplo, o Festival de Cinema de Gramado e o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro da Academia Brasileira de Cinema. A figurinista Natalia Duran também conta que a emissora Rede Globo possui prêmios internos para categorias como Figurino.


Nos últimos dez anos, o Oscar premiou diferentes obras na categoria ‘’Melhor Figurino’’. Desde filmes situados na atualidade até futuros distópicos, é possível perceber que os figurinos têm um papel essencial na construção visual da história. Na última década, mais da metade dos filmes premiados nessa categoria se situavam em décadas ou séculos passados. Alguns envolviam também universos fantásticos, mundos mágicos e futuros distantes. Diferentes culturas também são retratadas nos filmes premiados.


Infográfico de vencedores do Oscar de Melhor Figurino da última década.



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