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O SABOR DA BELEZA

Atualizado: 5 de fev. de 2021

Nas palavras do jornalista, escritor e frade dominicano Frei Betto, “o ser humano tem duas fomes: fome de pão e fome de beleza. A primeira, saciável, e a segunda, infindável”. E o que dizer quando o alimento e a beleza estão reunidos em um só lugar? Combinação perfeita, experiência que nos leva à plenitude. É isso que a arte da gastronomia contemporânea nos apresenta. Pratos especiais e ingredientes chegam à mesa embalados por cores e formas simétricas inusitadas. O sabor é essencial, mas compõe parte do que hoje os clientes esperam de uma refeição: a beleza.


Assim, os grandes chefes têm tido um cuidado, um olhar específico, para a arte do “empratamento”, que tem impressionado tanto os profissionais da área como os comensais, pela capacidade criativa de cada um. Faltam referências em livros e textos sobre o tema. No entanto, os princípios são os utilizados na artes plásticas, incluindo conceitos de desenho, combinações e cores. Para a chef da Cozinharia, Inês Vizioli, o que encanta as pessoas é a harmonia entre todos os elementos do serviço gastronômico. Mas, o prato, o seu sabor, ainda é o protagonista da ocasião e a sua apresentação é, sim, um dos elementos em alta e, por isso, desafiador. Isso porque, de acordo com a chef, as pessoas estão, cada vez mais, visuais, por conta das redes sociais. “Você serve o prato e, em seguida, ele é fotografado pelo cliente para postar na internet”, conta. Ao destacar a importância da apresentação, Inês lembra que o resultado em um buffet, por exemplo, para 200 pessoas é diferente, mas se mantém o olhar sobre a beleza. A chef, que dedica-se a grandes eventos, desenvolveu um senso estético muito próprio para dispor os alimentos em pratos individuais ou travessas. Geralmente, ela trabalha com mini porções (finger) e leva toda a estrutura para o local, da louça ao serviço. E nesse ambiente, a intuição e o gosto pessoal, além do perfeccionismo da chef, envolvem-se na arte do “empratamento”, conduzidos pela paixão pela gastronomia.



O diretor da Escola de Gastronomia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), chef italiano Mauro Cingolani também destaca o aspecto visual, integrado a vários fatores, do design do prato ao ambiente. Na concepção do chef, até mesmo detalhes como a textura da toalha, o conforto da cadeira e os demais elementos presentes à mesa, são ingredientes importantes na conquista do paladar do cliente. Nesse contexto, Mauro está atento à sofisticação, preocupado em expor da melhor forma possível os alimentos preparados, observando as vestes, a música mais apropriada para se alinhar às refeições e o atendimento feito pela equipe. A ideia é transformar o momento em uma verdadeira cerimônia alimentar, despertando o máximo de prazer. “Quando o ambiente corrobora, a sensação fica na mente de quem está vivendo a experiência”, explica.


Porém, Cingolani ressalta que as pessoas podem sentir-se à vontade em locais diversos como, por exemplo, uma lancheria de rodoviária, e ver beleza em um prato servido sob um balcão. “A pessoa sente-se acolhida e confortável no ambiente, ao mesmo tempo em que desfruta de algo saboroso”, descreve. A beleza da apresentação pode ser simples, mas agradar a muitos olhos, pois o conceito de belo é subjetivo e está envolvido por inúmeros fatores.




Na análise do professor e psicólogo, mestre em Filosofia e Educação, Horacio Francisco Rodríguez de Fleitas, cada um tem um conceito de beleza, um parâmetro, e esse está associado as suas vivências. “São sentimentos difíceis de explicar, pois variam de acordo com a profundidade da experiência de cada um. A beleza está nas experiências mais singelas e profundas, está no amor e no carinho que há entre as pessoas. Está em um momento, em um lugar, em alguém ou algo que contemplamos.”


Ao compartilhar a visão do psicoterapeuta italiano italiano Piero Ferruci, o professor acrescenta que a percepção da beleza pode ser vaga para alguns e, ao mesmo tempo, produzir algo muito intenso em outros. A partir da teoria da inteligência estética, Ferruci propõe uma reflexão sobre a capacidade de enxergar a beleza, de percebê-la onde o outro não enxerga nada, de experimentá-la em mais situações e ambientes, de enxergá-la através daquilo que se considera feio. Assim, um local simples, com um ritual rotineiro, pode ser considerado belo a quem o frequenta e, naturalmente, está aberto a perceber.

Conforme Ferruci, “a contemplação de algo bonito nos traz um bem-estar que cura nossa alma, pois é uma inferência que mexe com os hormônios. “Além de nos tocar, a beleza também nos muda. Depois de experimentá-la, ela continua a trabalhar dentro de mim, influenciando a maneira de me relacionar com os outros, de agir no mundo, incluindo o meu relacionamento com o planeta em que habito. Vejo e sinto as conexões que uma experiência de beleza produz em todas as instâncias da minha vida”.


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