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Dançando em meio a uma pandemia


Marina Arenhardt Sachet em KHOPPEELYA. Foto: Instagram/@ninaarenhardt

Desde que o COVID-19 chegou em nossa sociedade, muitos setores foram atingidos, mas é mais do que nítido que as artes, entretenimento e eventos são os que mais estão sofrendo. Grandes planos, apresentações, shows, estreias e festas tiveram que ser remarcados, ou até cancelados, para respeitar as normas do novo normal.


Algumas instituições estão tentando se adaptar procurando novos caminhos, no meio on-line, para evitar que as portas se fechem, até mesmo mudando de segmento por algum tempo, tudo para a sobrevivência.

Artistas por trás de grandes espetáculos também foram extremamente afetados, tanto financeiramente quanto mental e fisicamente. As rotinas de treinos e ensaios tiveram que ser repensadas, readaptadas ou suspensas por tempo indeterminado.


No mundo do balé, não foi diferente. A belíssima dança que surgiu no século XVI nas cortes italianas e conquistou a realeza ao redor do mundo, segue até hoje sendo vista como algo extremamente regrado e bonito, para que se atinja o máximo da perfeição. Com a pandemia, os ensaios em estúdios foram suspensos, e os bailarinos precisaram achar um jeito de continuar sua paixão, longe dos palcos.


As bailarinas caxienses Jaquelyne Alessandra Barbieri, e faz parte da Escola de Arte Basileu França, e Marina Arenhardt Sachet do Ballet da UFRGS , contam como foi o baque que sofreram e, como aprenderam a se adaptar novamente.


E: Como você tem lidado com a dança no meio da pandemia?

J: Bom, no início da pandemia, eu fiquei meio desmotivada com várias coisas (acho que todo mundo), eu buscava fazer outras coisas que não tinha tempo devido a rotina do ballet, desenhei mais, pintei mais, reformei as coisas...mas em questão da dança, foi bem difícil no início até em questão da concentração para fazer aulas em casa, você acaba se distraindo fácil, acaba sendo ruim por questão de espaço entre outras coisas.

No início achei que seria algo passageiro, que seriam apenas 15 dias e logo eu voltaria a dançar numa sala de aula adequada, ou voltar a dançar nos palcos, mas os dias foram só se estendo e tivemos que aprender a conviver com a dança dentro de casa, e foi nessas horas que me obriguei a focar nisso, por que vi era a única maneira que todos os bailarinos tinham para não sair de forma. Eu acho que agora me adaptei bem, consegui me planejar melhor, consegui me ajustar em casa para as aulas (que é o mais importante).

M: Logo no começo da quarentena, eu estava super empolgada e fazendo mil planos de aulas que queria fazer, lives que queria assistir e coisas que queria estudar. Conforme os dias foram passando, me deu um super desânimo, acho até que em função da péssima perspectiva de futuro que nós tínhamos na época. Lá pela 3ª semana, eu não tinha mais a mínima vontade de largar o sofá, a Netflix e o balde de pipoca. Passei mais ou menos um mês e meio nessa vibe de preguiça e zero produtividade, acho que o máximo que fiz foi assistir alguns ballets completos, fazer algumas vídeo-aulas de yoga e no máximo uma aula de ballet por semana. Lá pela metade de maio, como a perspectiva de futuro estava melhor, eu tive mais vontade de voltar a dançar. O problema foi que, como eu tinha passado o último mês praticamente com zero atividade física intensa, o corpo não respondia mais da mesma forma. Foi um processo e tanto pra voltar o corpo para o antigo "normal"; ainda estou sentindo os efeitos da minha preguiça durante os primeiros meses de quarentena. Desde junho minha rotina já está bem mais constante e equilibrada, com no mínimo uma aula de ballet por dia. Às vezes coloco sapatilha de ponta também, só pra não perder o costume (risos).


Como você se adaptou a ela? Qual tem sido o maior desafio como bailarina neste momento?

J: Nessa pandemia acho que todos saíram prejudicados, em qualquer profissão. Pois muitos se planejaram para um ano normal, e acabou que tivemos que aprender a nos virar de outra forma, e acho que o maior desafio de tudo isso foi se adaptar a esse momento, pois nós bailarinos temos uma rotina muito intensa e quando a pandemia começou tudo parou do nada, o corpo acabou mudando, perdemos a resistência, perdemos força... então tivemos que nos adaptar de outras formas.

M: Pra mim, o mais díficil é sempre o começar, sabe? Vencer a preguiça, colocar a roupa e começar a se mexer. Logo depois que eu começo eu lembro o porquê de eu gostar tanto de dançar (risos). Outra coisa que tem sido complicada é manter hábitos de alimentação e de sono saudáveis. Dormir bem e na hora certa, e comer saudável sem exagerar nos doces também não tem sido fácil, apesar de não estar mais sendo tão díficil quanto já foi.


E: Você acha que a pandemia prejudicou sua forma de dançar?

M: Com certeza! Infelizmente, o ballet depende muito do lugar onde ele é praticado. Eu, por exemplo, arrastei os sofás da minha sala o mais pro canto possível e tirei a mesinha de centro pra ter um espaço ok pra praticar. Nossa aula sempre começa na barra que, em casa, acabou virando encosto de cadeira, janela, balcão ou até pia da cozinha. Depois de todos os exercícios da barra, vem o centro, que é onde a gente mais dança, mas que com o espaço mega reduzido fica bem complicado. As salas normalmente tem um piso flutuante específico pra que não haja impacto demais nas nossas articulaçôes, por exemplo. Ou seja, fazer uma aula de ballet completa em casa se torna praticamente uma missão impossível. Sem contar que a dança é uma forma de comunicação e expressão, né?! A gente sempre acaba dançando pra alguém, nem que seja só pro professor, então com toda essa questão de isolamento social, isso acabou se perdendo também.



Tem sido possível conciliar a dança com a saúde mental neste momento tão delicado?

J: Sobre saúde mental, acho que foi difícil pra todo mundo, e na área da dança o que foi mais difícil pra mim foi ver que todo o progresso do início do ano foi “perdido” e isso me deixou bastante triste, até em questão do corpo e das dietas.

M: Tem sido possível sim, mas longe de ser fácil (risos). Acho que a maior dificuldade pra grande maioria das bailarinas é principalmente em relação ao nosso corpo. É muito difícil aceitar que sim, é muito provável que a gente engorde um pouco e perca força e alongamento, até porque nosso corpo é nosso instrumento de trabalho e existe um padrão físico muito rígido no mundo do ballet, tanto pela questão funcional quanto pela questão estética. Lá por abril/maio, essa questão relacionada ao corpo me trouxe muita angústia e sofrimento, mas depois de algumas boas conversas com minha professora Victória Milanez eu me tranquilizei um pouco em relação isso. Acabei percebendo que engordar um pouco num período tão inesperado e estranho não é um monstro de sete cabeças, e que está tudo bem. 


Como bailarina, você acha que o pensamento sobre a arte na sociedade irá mudar após a pandemia?

J: Eu acho muito importante falarmos sobre a arte na pandemia ou melhor, como os artistas estão sobrevivendo a pandemia... antes eu pensava que o pensamento sobre a arte iria mudar depois disso tudo, mas percebi que tínhamos que implorar para algum amigo ou conhecido te apoiar, te incentivar, compartilhar, divulgar seu trabalho. E o que me deixa mais triste é que muitos não se tocaram que só não perderam a sanidade por conta da TV, das séries, dos filmes, dos livros... como se tudo isso não fosse arte, como se tudo isso fosse “qualquer coisa”. E eu fico pensado se a arte não existisse, o que seria de nós nessa pandemia!? Será que daríamos conta de ficar olhando pra parede o dia todo? Sem ter nada pra assistir, sem ter nada pra ler... muitos não perceberam que nessa época de pandemia as pessoas vivenciaram muito a arte e seria bom que todos entendessem a importância do mesmo. É um desafio ser artista na pandemia.

M: Eu espero que sim. Talvez, com todo esse "nada pra fazer", a sociedade como um todo tenha percebido como a nossa função como artistas é importante. Super cliché o que eu vou dizer, mas o que a gente faria sem música, filmes, livros e afins nesse período com tanto "tempo de sobra"? É de extrema importância reconhecer o lugar do artista não só na sociedade mas também no próprio mercado de trabalho, até porque a gente sabe que ainda é muito difícil viver de arte no Brasil.


E: Como está sendo a vivência para seus colegas e amigos da área?

M: Olha, pelo que eu percebi pelas conversas que tive com meus amigos artistas, principalmente bailarinos, todo mundo tá se sentindo mais ou menos da mesma forma. A "neura da sapatilha" é uma realidade prá todos nós, ninguém gosta de engorda nem perder força/flexibilidade,que dirá ficar todo esse tempo sem poder fazer uma aula de ballet decente e completa ou subir no palco. Acho que compartilhamos todos de uma super saudade da nossa rotina puxada do nosso lado "atleta", bem como de toda a graça e a beleza de uma apresentação que só nosso lado "artista" nos proporciona.


Apesar das dificuldades que estão sendo enfrentadas, a dança e a arte tornam o mundo mais belo, e os artistas que superam as adversidades são uma das formas de esperança que surgiram em meio a pandemia.



Jaquelyne Alessandra Barbieri em La Esmeralda. Foto: Instagram/@jaqui_barbieri

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